O SERTÃO DE MANDUCAIA

 

O ENCONTRO DAS DUAS FRENTES DE PENETRAÇÃO – O AMPARO

 

Uma outra razão para a penetração de colonizadores nos vales da região foi a descoberta de ouro no alto Camanducaia por um paulista, Simão de Toledo Piza, que, entretanto, “manifestou” (como se dizia na época) a sua descoberta às autoridades mineiras. Uma verdadeira guerra, com batalhas fluviais no rio Sapucaí, havia ocorrido anos antes, e uma série de incidentes entre as capitanias de São Paulo e Minas Gerais voltou a acontecer por volta de 1770.  (RIHGB/AHU/SP, 6:282 e 7:173 – Docs. Inter., 23:102)

Para evitar que as autoridades mineiras continuassem se apoderando de território paulista, o governador Morgado de Mateus determinou ao Tenente Francisco José Machado de Vasconcelos a abertura de uma estrada margeando o rio Camanducaia. (RIHGB/AHU/SP, 6:339). As explorações do Camanducaia deveriam ficar “dentro dos limites desta capitania” e que “se siga abeirando o  mesmo rio, visto assim ser mais conveniente”, foram as determinações em 1771, em carta de D. Luís Antônio de Sousa ao Guarda mor  Cel. Francisco Pinto do Rego (Docs. Inter., 92:188). Essa obra rodoviária foi, pelo menos, iniciada, pois, em carta para o guarda mor Tenente Francisco José Machado, o governador deu ordem para “completar-se o caminho beirando o rio Camanducaia”, em 1771 (Docs. Inter., 92:189)o. Pouco tempo depois, o próprio governador mandou suspender os trabalhos, abandonando a idéia inicial.

          Apesar disso, hoje existe uma rodovia margeando o Camanducaia, entre Amparo, Monte Alegre do Sul e o bairro da Mostarda. É possível que seja remanescente daquela primitiva estrada do Morgado de Mateus, mesmo porque a ligação entre Amparo Boa Vereda e Três Pontes é muito antiga.

De qualquer modo, os bragantinos não desistiram de lutar por suas terras, pois em 1777 era moradores do “alto Camanducaia”: o próprio Simão de Toledo Piza, João de Almeida Pais, José Manuel, José de Souza, João Moreira Godoy e Manoel Gomes Maldonado, todos “moradores da Freguezia nova de Jaguari”(Bragança). (RIHG/SP, 3:245)

 

…………………………………………………….

 

Nessa época – 1768 – uma carta do Morgado de Mateus para o Conde de Oeiras (Pombal) informava que “o nome do rei D. José I “era desconhecido entre certos povos, como, por exemplo, nos retiros de Jaguari, de Camanducaia, nos bairros de Araçariguama, junto ao rio Paraíba, nos matos de Paranapanema, Apiaí, Ribeia e nos Campos Gerais e nas Furnas”.  (RIHGB/AHU/SP, 6:84- Docs. Inter., 19:26/27))

A essa altura, pois, já existia algum tipo de povoação na região de Amparo. Essa célebre carta do Morgado de Mateus dizendo que o nome do Rei era ignorado nos “Retiros de Jaguari e do Camanducaia”, mostra que, embora isolados e atrasados, havia povoadores em nossas terras.

Uma das razões para esse isolamento era a existência das chamadas “áreas proibidas”. Nessas áreas era proibido morar, cultivar a terra, lavrar minas ou praticar qualquer outra atividade. Era vedada até mesmo a travessia delas. Essa medida visava impedir o contrabando de ouro, isolando as capitanias mineradoras, que só poderiam ser atingidas através das “estradas reais”, onde se situavam os “registros”, postos fiscais de controle.

Boa parte da margem leste da estrada São Paulo/Goiás estava incluída nessa proibição. Assim, as terras de Amparo, Monte Alegre do Sul, Socorro e outros municípios estavam vedadas ao povoamento. O sertão de Manducaia, já pouco hospitaleiro, recebia um novo aliado, o governo português…

Bragança, uma das vilas prejudicadas por essa proibição, teve o seu desenvolvimento prejudicado durante décadas. Seu povo, porém, continuava turbulento e altivo, dando pouca atenção às ordens do governo. Em 1817 Salvador da Cunha de Moraes rompeu as “áreas proibidas” e as colonizou, provocando lamentos no governo da capitania. Mas, a essa altura, os nossos antepassados já haviam colonizado a Vargem Grande, Socorro já havia sido fundada e já havia moradores em Serra Negra. Salvador da Cunha de Moraes fora apenas o primeiro violador das “áreas proibidas” a ser identificado pelas autoridades…

Um incidente típico da época, de que nos dá notícia o “Catálogo do Arquivo de Mateus”, repositório de textos colecionados pelo Morgado de Mateus, D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, publicado pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, se refere a um escravo fugido de Santos, que se refugiara em Camanducaia em 1766 e ali fora detido. Poderia ser o arraial de Camanducaia, em Minas Gerais, mas a correspondência sobre o assunto é dirigida a pessoas de Mogi Mirim, ou seja, José Nunes de Gouvêa e José Rodrigues Pimentel (este foi presidente da câmara municipal mogiana pouco depois). Assim, tudo indica que o Camanducaia mencionado é o nosso e que aqui já havia moradores em 1766. Aliás, o escravo pertencente à viúva D. Ana Marciana de Figueiredo já estava fugido há quatro anos; já havia gente, pois, em 1762 morando em nossas plagas.(Catálogo do Arquivo de Mateus, 57/61)

……………………………………………………

 

O povoamento do sertão montanhoso, recoberto de florestas e dotado de poucos caminhos, havia recebido um estímulo involuntário do governo no final do século XVIII. As freqüentes guerras no Sul levaram a sucessivas campanhas de recrutamento de soldados, medida odiada e temida pelo povo do interior paulista. Como mencionamos antes, a documentação da época mostra que a partir de 1770 um grande número de jovens de Atibaia, Bragança e Nazaré, se refugiou nas matas da região para escapar ao recrutamento. (Docs. Inter. 91:242). JOSÉ JACINTHO RIBEIRO, Chronologia Paulista, 2:101, informa que em 1797 moradores de Atibaia internaram-se nas matas para fugir ao recrutamento militar. E ainda em 1817 uma carta ao juiz ordinário de Bragança mencionava desertores nos campos do Ribeirão Fundo. (Docs. Inter., 90:122)

Em 1797, quando do pedido de emancipação de Jaguari, que adotou o nome de Bragança, em homenagem à dinastia reinante, a Câmara de Atibaia, em 1 de outubro desse ano se opôs, alegando tratar-se de “povo grosseiro, sem cultura e nem civilidade, são raros os que sabem ler e escrever, porque sendo aquela povoação formada de delinqüentes que, cometendo delitos, se acoutarão naquelas matas, deles foram produzidos outros que se criaram com a mesma má disciplina, nem tem havido escolas para ao menos aprenderem a ler e escrever, e finalmente a maior parte daquele povo são oriundos do gentio da terra, bastardos e mulatos e gente de ínfima plebe”. (Bragança – 1763-1942, por Nelson Silveira Martins e Domingos Laurito, 63/74 – Docs. Inter., 15:125)

Convém lembrar que nessa “gentalha”, descrita pela Câmara de Atibaia, estávamos incluídos nós, amparenses, pois, pouco antes, no mesmo documento, os atibaienses pleiteavam que a divisa com Mogi-Mirim abrangesse o vale do Camanducaia, que “pertence à freguesia de Jaguari (Bragança), como já tem fregueses da banda de lá dele”. Assim havia moradores oriundos de Bragança nas margens do Camanducaia em 1797.

 

……………………………………………………..

 

Enquanto bragantinos e atibaienses avançavam pelo

sul, os mogianos invadiam o vale do Camanducaia pelo leste, , através do bairro do Cascalho (futuramente Pedreira), e pelo noroeste e norte, pela Ressaca, ocupando as margens do Camanducaia Mirim, já no futuro bairro do Pantaleão.  Nos velhos livros de batizados de Mogi Mirim, da virada do século XVIII para o século XIX, encontramos dezenas de batizados onde os pais ou os padrinhos se declaram moradores do “bairro Camanducaia”. Aliás, os mogianos foram mais longe: colonizaram também o bairro dos Macucos, hoje Itapira, e chegaram a Serra Negra.

O eminente historiador serrano Jorge Antônio José, em seu trabalho “Amparo no meu caminho”, enumera, além de batizados, várias escrituras lavradas no começo do século XIX, relativas a imóveis situados na fronteiriça entre Amparo e a Ressaca. Trouxe, com isso, novos conhecimentos sobre a avançada mogiana em terras amparenses.

Entre esses documentos encontram-se também preciosos dados sobre a origem de Pedreira, pois vários moradores do “sítio do Cascalho”, origem dessa nossa vizinha, são mencionados.

Os vales do Camanducaia e do Jaguari estavam prontos para servir de leito conjugal entre Bragança e Mogi-Mirim e gerar um novo rebento para São Paulo: a futura capela, freguesia, vila, cidade, comarca e diocese de Amparo…

 

Comments are closed.