O SERTÃO DE MANDUCAIA

 

O POVOAMENTO DE MOGI-MIRIM

 

     1 – A Estrada do Pau Cerne

A migração dos valparaibanos era diversa daquelas que se faziam para Minas ou para Goiás. Enquanto nestas predominavam os aventureiros, homens válidos, movidos pela ambição, sendo as mulheres e crianças uma minoria, entre os valparaibanos a migração abrangia provavelmente famílias inteiras em busca, não de ouro, mas de um novo lar.

Saíram de Mogi das Cruzes, de Taubaté, de Jacareí, de Guaratinguetá, de Pindamonhangaba e de Guarulhos. O caminho principal era o que levava do vale à cidade de São Paulo e dali para o caminho dos goiazes. Mas os valparaibanos logo descobriram um atalho que encurtava muito a distância. Em Jacareí começava um velho peabiru, “a estrada do pau cerne”, que passando por Santa Isabel, Nazaré e Atibaia, chegava a Jundiaí, deixando de fora São Paulo. Deve ter sido por ela que o taubateano Francisco Barreto Leme chegou a Jundiaí, de onde partiu para fundar Campinas. Outros certamente o precederam e muitos mais o acompanharam. Os valparaibanos estavam chegando… e pretendiam ir mais longe, para os campos de Mogi Mirim e Mogi Guaçu, para o sonhado “caminho dos Goiazes”.

 

     2 – O Ramal Atibaia/Mogi-Guaçu

          Em Atibaia, uma outra provável trilha indígena antiqüíssima estava à disposição dos migrantes para encurtar ainda mais o seu trajeto até os campos de Mogi. Essa picada atravessava o coração de Manducaia, cortando os rios Atibaia, Jaguari e Camanducaia. Logo começou a ser usada e não apenas pelos emigrantes valparaibanos. Ela deixava de fora o “registro” de Mogi do Campo, facilitando a sonegação do ouro vindo de Goiás.

Ela também passava fora do nascente povoado de Jaguari (mais tarde Bragança Paulista), que ficava levemente desviado no rumo do Morro do Lopo e de Minas Gerais. De seu traçado no Amparo podemos presumir que passasse pelos atuais bairros do Córrego Vermelho e Aparecidinha, entrando na atual cidade pelas ruas Artur Godoy, 8 de Abril e Conde de Parnaíba.

Daí atravessariam o Camanducaia e seguirim para os campos de Mogi.

Teria havido mesmo essa migração? Seriam meras presunções de um curioso? Há provas documentais ou mesmo testemunhais de tudo isso?

          Seria fácil responder que embora não houvesse provas, esse seria o raciocínio mais aceitável. Seria também razoável esperar que não houvesse nenhum testemunho dessa migração.

Mas, não é assim. Há provas e, por incrível que pareça, testemunhais, de que a gente do Vale do Paraíba migrou em massa para Mogi Mirim e Mogi Guaçu. Pois a mesma coisa que um testemunho é a declaração dos pais e padrinhos nos assentos de batizados quanto à sua própria naturalidade.

Os livros de batismo da Paróquia de São José de Mogi Mirim, lavrados a partir de 1753 trazem abundantes referências a essa gente brava, que enfrentou o sertão para iniciar uma nova vida num lugar mais promissor. E Silva Leme arrola:

A família Sousa Freire, o Capitão Antônio de Sousa Melo,

José Leite de Sousa e seu irmão Jesuíno Leite de Sousa, Alexandre de Sousa Brito, Romualdo de Sousa Brito – todos de Mogi das Cruzes, Aleixo Garcia Pinheiro, de Guaratinguetá, pai de Januário Garcia Leal, teve filhos em Mogi Mirim; Manuel Munhoz de Siqueira, de Mogi das Cruzes, casou em 1753 em Mogi-Mirim; Maria Corrêa de Lacerda, de Taubaté, esteve em Goiás, mas deixou filhos em Mogi Mirim – inclusive André Corrêa da Lacerda, casado em 1753 em Mogi-Mirim com Maria Pires Monteiro e a segunda vez com Maria de Siqueira e Moraes, natural de Mogi das Cruzes; Antônio Corrêa de Lacerda, de Taubaté, casado em 1758 em Mogi Mirim, com Maria Clara, viúva, de Guaratinguetá; José Antônio de Figueiró, de Guaratinguetá, casado em Mogi Mirim em 1762; Mécia Vaz da Silva de Taubaté, casada em Mogi Mirim em 1752; José Pereira Tangerino, de Guaratinguetá, casou com Ana de Campos, natural de Goiás, mas falecida em Mogi Mirim em 1803; Diogo Barbosa do Rego, de Jacareí, e centenas de outros nomes na Genealogia Paulistana…

 

  • O Registro de Mogi do Campo mudado para Jaguari

          A descoberta de ouro em Goiás havia provocado uma nova corrida de garimpeiros paulistas para o norte. Goiás, no início, produziu realmente muito ouro, justificando a criação pelas autoridades fiscais de um “registro”, ou seja, um posto fiscal, uma mini-alfândega, em Mogi do Campo (hoje Mogi-Guaçu), para cobrar impostos de quem trafegasse pelo “caminho dos goiazes”. Essa repartição fiscalizadora acabou sendo mudada para as margens do rio Jaguari.

A Coroa determinou em 1732 que a “Estrada S.Paulo/Goiás” tivesse como caminho único só o que passa por Jundiaí e Mogi do Campo. (Docs. Inter, 22:15). Outro bando proibindo a entrada nas minas de Goiás “por outro caminho, exceto o que vai de S.Paulo a Jundiaí e continua a Mogi do Campo até as ditas minas”, foi baixado porque haviam sido abertos outros caminhos. (RIHGB/AHU/SP, 2:387)

Pouco mais tarde, Antônio da Cunha e Abreu substitui o provedor do registro do caminho de Goiás, José Correia da Fonseca, que havia fugido com 265 oitavas de ouro, por volta de setembro de 1732. Esse registro ficava em Mogi do Campo, atual Mogi-Guaçu. O infrator refugiou-se em Rio Pardo. O registro foi mudado do rio de Mogi para o Jaguari grande, “onde há menos portos” (RIHGB/AHU /SP, 2:426/428).  Manuel Gomes da Costa, tenente, fora também provedor desse registro de Mogi do Campo, no caminho de Goiás, em 1732. (RIHGB/AHU /SP, 2:426/428).

          O velho sertão de Manducaia continuava a ser contornado pelo oeste, mas isso logo iria mudar. Chegaria o tempo em que as duas pinças do avanço da fronteira agrícola iriam se encontrar: a que vinha de Jundiaí, por Campinas, Jaguariúna e Mogi-Mirim, e a que progredia de Atibaia, por Bragança, para o vale do Camanducaia.

Em 22 de outubro de 1769 é lavrado o Auto da ereção de Mogi-Mirim em vila pelo Ouvidor Salvador Pereira da Silva.   (RIHGB/AHU/SP, 6:155/156, 176/177). Atibaia logo a seguir também seria ereta em vila. As pinças colonizadoras se aproximavam.

 

3- A sesmaria dos “Campinhos”- Nasce Campinas

          Nesse meio tempo um fato importante, que seria decisivo para o futuro da região, ocorreu. O próprio Antônio da Cunha de Abreu, provedor do registro de Jaguari, obteve a sesmaria dos “Campinhos”, que foi concedida a ele e seu cunhado João Bueno da Silva, localizada entre a vila de Jundiaí e o rio Mogi, em 1733. (RIHGB/AHU/SP, 2:307)

A partir desse primeiro núcleo de civilização anos mais tarde Francisco Barreto Leme iria fundar a cidade de Campinas, principal centro regional do interior de São Paulo.

Campinas chegava tarde para o ciclo do ouro, mas iria ser importantíssima no século seguinte, quando se tornou o pólo de uma nova riqueza, o café.

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