O SERTÃO DE MANDUCAIA

 

O AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA PELO SUL

 

A partir de São Paulo foram abertas duas frentes de

colonização no rumo Norte: uma com a fundação de Jundiaí e outra o começo do povoamento de Atibaia.

 

1– Atibaia e Nazaré

          Em meados do século XVII, Jerônimo de Camargo Pimentel e outros membros da família Camargo passaram a se estabelecer em terras ao norte da cidade de São Paulo, onde fundaram Atibaia. Na mesma época surgiu o povoado de Nazaré, hoje Nazaré Paulista. O aldeamento dos índios Guarulhos feito pelo Padre Mateus Nunes de Siqueira também contribuiu para a região se desenvolvesse rapidamente. Ao se iniciar o século XVIII, ambas as povoações já eram freguesias, com pároco próprio. A borda sul do sertão de Manducaia começava a ser devassada.

Algumas terras já haviam sido concedidas antes:

uma sesmaria do Juqueri ao Guatibaia data de 1638 (Sesmarias 1:246); outra sesmaria até o rio Atibaia foi mencionada em 1640 (Sesmarias 1:374).

A pequena povoação dos Camargos se desenvolveu, beneficiada pela sua situação geográfica, e passou a gerar outros lugarejos à sua volta. Nazaré, terra abundante de onças, segundo Monsenhor Paulo Florêncio da Silveira Camargo, chegou a freguesia ainda no século XVII. Aliás, ainda havia  Indios em Nazaré em 1733, conforme informação do Pe. Antônio Cazado Villas Boas, vigário de lá. (Docs. Inter., 41:27)

O Bairro da Cachoeira, impropriamente chamado em 1778 de Vila de Santo Antônio da Cachoeira (Docs. Inter., 28:386), é hoje a cidade de Piracaia. Tão grande foi o crescimento desse bairro que Domingos José Duarte Passos foi “nomeado capitão da 2.a companhia do bairro da Cachoeira, termo da vila de Atibaia, em 17 de julho de 1776”. (RIHGB/AHU/ SP, 7:153, 234). Atibaia já havia sido elevada a vila em 1770. (Docs. Inter., 34:150)

A maior parte desse progresso, entretanto, era decorrência do sonho de um único homem: Fernão Dias Paes Leme, o Caçador de Esmeraldas.

 

 

2– Fernão Dias Paes Leme.

O Caçador de Esmeraldas, em sua grande expedição a Minas Gerais em 1672, atravessou a serra da Mantiqueira e deu início a uma série de bandeiras que acabaram por encontrar ouro. Acredita-se que ele tenha entrado em Minas Gerais pelo vale do Paraíba, provavelmente pelo Embaú.

Mas havia outros caminhos para se chegar a Minas. Um deles era pelo “morro do Lopo”, na porção leste do sertão de Manducaia, que dava acesso ao amplo vale do Sapucaí, onde também se garimpava. Um novo caminho foi aberto e passou a ser intensamente trafegado (a atual rodovia Fernão Dias segue aproximadamente o mesmo percurso). A partir daí, Manducaia ficaria ladeada por dois grandes caminhos, o de Goiás e o das Minas Gerais. Mas levaria décadas que essas duas pinças se encontrassem, fechando o cerco a Manducaia, pois as “áreas proibidas” (terras onde a Coroa proibiu morar, cultivar e até mesmo atravessar, para impedir o contrabando de ouro) iriam impedir que isso ocorresse até o século XIX.

A bandeira de Fernão Dias e a subseqüente descoberta de ouro em Minas Gerais trouxeram enorme desenvolvimento ao vale do Paraíba paulista, pois, bandeirantes, tropeiros,  aventureiros de toda a espécie e até famílias inteiras, se despejaram em direção aos garimpos, atravessando a Mantiqueira pela garganta do Embaú, que era o caminho mais prático na época. Mesmo os cariocas e os numerosos estrangeiros que afluíram para Minas Gerais (emboabas portugueses na maioria, mas havia também franceses e outros europeus) utilizavam a passagem do Embaú.

 

3– Fundação de Bragança

 

          A descoberta de ouro em Minas Gerais gerou desenfreada corrida para os garimpos de Ouro Preto, Mariana, Sabará, São João del Rei, Pitangui e outros. Milhares de europeus vieram para a América na esperança de enriquecer nos duros trabalhos de mineração. A essa altura, porém, muitos milhares de paulistas também já haviam partido para as Gerais em busca de riqueza.

Atibaia era a porta natural para entrar em Minas Gerais, passando pelo Morro do Lopo e atravessando o Sapucaí, para alcançar os garimpos (havia outras rotas, como a garganta do Embaú, preferida pelos taubateanos e pelos cariocas, além dos caminhos pelo sertão baiano, que entravam em Minas pelo norte).

Atibaia e os nascentes lugarejos vizinhos (Nazaré, Bragança, Piracaia, Joanópolis, Socorro do Rio do Peixe) ganhavam um novo mercado, o de fornecedores de suprimentos para as bandeiras, tropeiros e migrantes que se dirigiam para os garimpos. Na busca de terras férteis, os moradores de Atibaia e Nazaré avançaram para o norte, entrando cada vez mais fundo no sertão de Manducaia, a partir do começo do século XVIII.

Logo o avanço agrícola deixou para trás os sonhos de enriquecimento com o ouro. Os atibaienses pleitearam e obtiveram novas terras:

1)- Sesmaria a Pascoal Nunes de Sousa no sertão de Atibaia, começando no ribeirão denominado “Brás Cubas” e terminando no rio Jaguari – 1738.  (RIHGB/AHU/SP, 3:224, 248)

2)- Sesmaria (outra) no rio Jaguari – 1736 (Sesmarias 3:373)

3)- Sesmaria a Bento de Siqueira Pedroso na paragem de Jaguari, de São João de Atibaia, concedida em 1740.  (RIHGB/AHU/SP, 3:276/277)

Assim, com o adensamento da população, era previsível que logo surgisse um novo povoado ao norte de Atibaia. Pouco antes do Morro do Lopo, no topo de uma colina, à margem direita do ribeirão Canivete, na parte paulista do caminho para Minas Gerais, surgiu uma pequena povoação, que dava algum apoio aos que trafegavam por essa via. Em 15 de dezembro de 1763, Antônio Pires Pimentel e sua mulher Inácia da Silva, em cumprimento a um voto feito a Nossa Senhora da Conceição, doaram o terreno necessário para a construção de uma capela para veneração dessa santa. Em 1765 já era paróquia e o número de moradores avultava. Surgia Jaguari, que seria elevada a vila em 1797 com o nome de Nova Bragança. (Bragança, Domingos Laurito Silveira Martins, 31/34)

É claro que a maioria dos moradores do novo burgo descendia de gente de Atibaia e Nazaré, mas os havia também de outras regiões.

A fertilidade das terras, entretanto, levou Bragança a uma vocação diversa de um simples pouso de tropeiros e viandantes. Logo ela se tornou o celeiro de São Paulo, chegando a produzir trigo e outros gêneros em abundância.  (Docs. Inter. 33:179). As lavouras se expandiram e foi necessário ocupar novas terras.  Agora apenas algumas léguas separavam os bragantinos do coração de Manducaia, o vale do rio Camanducaia.

Poucos anos depois, por volta de 1768, já havia gente bragantina nas margens do Camanducaia. Ali iria começar a história de uma nova cidade, o Amparo. Aliás, o recrutamento militar e, talvez, a cobrança de impostos, geravam pânico naquela população, a ponto de moradores de Atibaia fugirem para o mato em 1782-1786, como informa um texto da época (Docs. Inter. 91:242). Provavelmente, esses assustados camponeses haviam se internado ainda mais em Manducaia.

Apesar disso, Atibaia se expandia rapidamente. Eram

bairros de Atibaia em 1796: Campo Largo, Campanha do Toledo, Nazaré, Rio do Peixe, hoje Socorro. (Docs. Inter., 46:312)

Mas Bragança também crescia: fora criada uma Companhia de Ordenança na “Freguezia do Jaguary”, Bragança, em 1788, “pelo grande número de gente que há nella” – (Docs. Inter., 46:9)

Era inevitável a elevação de Bragança a vila, o que ocorreu em 1797, apesar do oposição frontal da Câmara de Atibaia  (Docs. Inter., 15:120).  Nessa mesma época foi necessário determinar os limites de Bragança com Mogi-Mirim, ou pelo Camanducaia, ou pela “serra do Craguatá, que atravessa a estrada que vai para Mogy Mirim” (Docs. Inter., 15:144).

Entretanto, o ressentimento provocado pela emancipação da nova vila acabaria resultando no “Levantamento que houve entre Bragança e Atibaia”, conflito violento, com “muitos feridos socorridos” pelo cirurgião–mor da capitania, por volta de 1805 (RIHGB/AHU/SP,12:420).

A região toda, porém, prosperava. Bragança tinha 8.015 habitantes em 1805; havia 826 pessoas só no bairro do Campo Novo (RIHGB/ AHU/SP,12:386). E Monsenhor Pizarro, em sua Memória Histórica, 8:285, afirmava que Bragança contava com 10 mil habitantes no princípio do século XIX.

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