O SERTÃO DE MANDUCAIA
Desbravamento e Colonização
A ocupação de um território inexplorado é sempre uma empreitada árdua e perigosa.
Árdua porque tudo está por ser feito: caminhos e pontes, moradias e edifícios públicos, oficinas e depósitos, e a instalação de serviços essenciais, além da sempre trabalhosa limpeza do terreno para a agricultura ou para a pecuária.
Perigosa porque a nova região oferece riscos diferentes das áreas já civilizadas. Doenças, animais peçonhentos, feras, os risco de extravio nas matas ou no cerrado, a falta de água e de alimentos, as secas e as inundações, serão sempre diversas daquelas que os pioneiros conheciam em suas terras de origem. Será necessário conhecer esses inconvenientes e se adaptar para evitar os desastres naturais e as adversidades que a vivência permanente nessas áreas obrigará a enfrentar. A rotina cotidiana não poderá ser a mesma e novas habilidades irão se tornar necessárias para usar as matérias-primas e os recursos da nova região. Tudo será novo e mal-conhecido…
Os norte-americanos, na sua literatura e na sua produção artística, especialmente no cinema, exaltaram o heroísmo e a dedicação daqueles que em meados do século XIX desbravaram o “far west”, o Oeste distante. De Bufalo Bill a Billy, the Kid, passando por Jesse James e pelo General Custer, as lendas do oeste americano ganharam o cinema, gerando um tipo especial de arte cênica: os “filmes de faroeste”, imitados tardiamente pelo cinema italiano com os “spaghetti western” e até pelo cinema japonês…
Já a América Espanhola não conheceu tamanhas dificuldades. Peru e México eram já impérios constituídos e modelarmente administrados quando os espanhóis deles se apossaram. As terras eram conhecidas e trabalhadas pelos índios e a selva menos fechada e menos agressiva; havia estradas públicas mantidas pelos governos tanto no Peru como no México. No Rio da Prata, vastas extensões de campinas e vários rios navegáveis facilitaram a exploração e o reconhecimento do terreno. Uns poucos colonos bastaram para ocupar a enorme região abrangida pela Argentina, Uruguai e Paraguai.
O Brasil, porém, era um continente… Um continente franjado pela selva montanhosa da Serra do Mar, habitado por tribus antropófagas, semeado de serpentes peçonhentas e feras. No interior, pantânos e febres palustres se alternavam com a secura do cerrado e com a escassez de alimentos. Os rios caudalosos eram pontilhados por cachoeiras que os tornavam impróprios para a navegação. E, ao norte, a imensa floresta amazônica desanimava qualquer intento de ocupação.
No litoral vicentino, a expressão “ir ao campo”, no século XVI, significava subir a Serra do Mar e adentrar o planalto brasileiro. O “campo” contrapunha-se à Mata Atlântica, assim como o Planalto se opunha à Serra. O “campo” acabou por ser povoado e colonizado ao longo dos séculos, mas a “serra” litorânea mantém-se até hoje deserta, revestida ainda pela mata, num desafio mudo a todos os que intentem se fixar nela.
No Sudoeste, entretanto, uma pequena aldeia de desertores e de foragidos, protegidos nos primeiros dias pelos padres jesuítas, São Paulo do Campo de Piratininga, a terra dos “paulistas”, iniciou uma gigantesca tarefa: a ocupação desse continente… De São Paulo e de Santana de Parnaíba, de Taubaté e de Atibaia, saiu bandeira após bandeira durante um quarto de milênio. Rumo ao “campo”… E, ao findar o século XVIII, esses homens que um autor europeu chamou de “raça de gigantes”, haviam desbravado e ocupado oito milhões de quilômetros quadrados. Mesmo Hércules, depois de seus doze trabalhos, não teria se atrevido a tanto.