O SERTÃO DE MANDUCAIA
CONCLUSÃO
De qualquer forma, já podemos dizer que, nos primeiros anos do século XIX, havia vários agrupamentos populacionais no território no qual se formou mais tarde o município de Amparo. O município não foi fruto do núcleo urbano; com ele ou antes dele nasceram vários agrupamentos populacionais que geraram bairros e até cidades.
Assim, em face das informações contidas no tombamento de 1818, no texto de Jorge Antônio José, nos documentos eclesiásticos de Mogi-Mirim e em outras fontes, conclui-se que havia sete núcleos de povoamente em terras amparenses no começo do século XIX:
1 – o mais antigo é o conjunto de moradores ribeirinhos do Camanducaia e do Camanducaia-Mirim, nas divisas com o atual município de Santo Antônio de Posse, mencionados em repetidos assentos de batizados da paróquia de São José de Mogi-Mirim como “moradores do bairro Camanducaia” (mogiano). A ocupação dessa área foi uma mera extensão do populoso bairro mogiano da Ressaca;
2 – outro grupo se alojava também nas margens do Camanducaia, mas em terras bragantinas, em outro “bairro Camanducaia”, este pertencente a Bragança, mencionado no tombamento populacional de 1818 (arquivo do Dr. Áureo de Almeida Camargo). Essa população se alojava em áreas mais próximas à atual cidade de Amparo. Esse “outro bairro Camanducaia”, pode ser localizado pela propriedade de Antônio Joaquim de Almeida, filho de Francisco de Almeida Machado e Custódia Bueno da Silva, que a recebeu de herança de seus pais. Esse casal Francisco e Custódia foi morador em Amparo onde possuia um sítio com a extensão de 450 alqueires, ou seja, uma grande propriedade, que divisava, entre outros, com o capitão Francisco Mariano Galvão Bueno e com o rio Camanducaia. Como a localização da propriedade de Galvão Bueno é até hoje conhecida, no início da rodovia que leva a Serra Negra, é possível ter uma idéia de onde ficavam as terras de Antônio Joaquim e consequentemente o bairro “Camanducaia II”. O lugar chegou a ser denominado “bairro dos Almeidas”, mas hoje integra o que conhecemos como bairro de Três Pontes.
3 – às margens do rio Jaguari, desde a década de 1790, um punhado de pioneiros já havia desbravado as terras do bairro “Cascalho”, hoje cidade de Pedreira, mas que até 1891 pertenceu ao município de Amparo. Os nomes desses pioneiros, Jerônimo da Costa, João da Cunha e Felipe Pires de Ávila, estão mencionados no Registro Paroquial de Terras como sendo os primeiros ocupantes daquela área. E Felipe Pires de Ávila e seus parentes são referidos em numerosos assentos de batizados de Mogi-Mirim ainda antes de 1800. Por volta de 1885 o lugar já era denominado bairro das Pedreiras (Livro 4-C,478/479. do Registo de Imóveis da Comarca de Amparo).
4 – ao sul do rio Camanducaia havia a população referida no tombamento de 1818 como “moradores do Córrego Vermelho”, que provavelmente viviam às margens da estrada Amparo/Atibaia, no que hoje constitui os bairros da Aparecidinha, Córrego Vermelho e Córrego Fundo.
5 – já existia também, ainda nas margens do Camanducaia, o núcleo mais importante, o que daria origem à cidade de Amparo, que se situava onde hoje é a Praça Jorge Pires de Godoy, antigo Largo da Cadeia Velha. No tombamento de 1818 esses moradores eram mencionados como donos de terrenos “no Rossio da Vila” (opinião bastante otimista do autor do tombamento, pois Amparo só foi elevado a vila em 1857). Alguns desses moradores eram confrontantes de “terras de Nossa Senhora”, ou seja, de terras pertencentes ao patrimônio da primitiva capela ali situada.
6 – a Boa Vereda já existia, sendo mencionados no tombamento dois de seus moradores: Francisco Corrêa de Lima e Manuel Ferreira. Estes não eram pioneiros, pois haviam adquirido suas terras respectivamente de Pedro Benito e do Capitão Vicente Gomes. Além disso, vários confrontantes dessas propriedades também são referidos, mostrando que o lugar já apresentava uma razoável densidade demográfica. Depois disso, a Boa Vereda abrigou os primeiros imigrantes suiços de Amparo, os Althman, Babler, Stafocker e Hamerly.
7 – e, por fim, havia o conjunto de moradores da Vargem Grande, hoje um bairro de Monte Alegre do Sul, mas que pertenceu a Amparo até 1948. Esse grupo tem sua origem envolta na obscuridade, parecendo ser decorrente de um avanço independente da fronteira agrícola de Bragança para o norte e que acabou se ligando a Amparo pela maior facilidade de comunicações. E há também o lugar denominado “Araras”, cujos moradores Francisco Rodrigues Bueno e Bento de Oliveira Machado são descritos em meio a outros moradores do bairro da Vargem Grande, pelo que presumimos que integrassem este bairro. A Vargem Grande hoje pertence ao município de Monte Alegre do Sul.
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Eram alguns punhados de moradores, espalhados ao
longo do rio, mas estavam fazendo nascer algo maior que um simples vilarejo.
Poderia parecer que o Camanducaia fora o eixo e a rota de penetração, mas o rio, turbulento e perigoso nas cheias, raso demais para navegação na vazante, não se prestava para isso. Foram as estradas e o duplo avanço da fronteira agrícola, dos bragantinos e atibaienses para o Norte, dos mogianos para o sudeste, que geraram a existência dos vários núcleos colonizadores. A verdade, porém, é que por volta de 1818 os bragantinos haviam ganho a corrida com os mogianos; a maior parte dos moradores era oriunda de Bragança, quando não de Atibaia ou Nazaré; os mogianos só predominavam no bairro do baixo Camanducaia, nas proximidades da Ressaca.
Uma década depois, ao ser elevada à categoria de Capela Curada, em 1829, a povoação de Amparo e seus arredores já contava com 3 mil habitantes, conforme constou da informação do Padre Roque de Sousa Freire, nosso primeiro capelão. O distrito já apresentava uma densidade demográfica bastante alta, mostrando que o povoamento começara muito antes.
Cinqüenta anos mais tarde, por volta de 1880, Amparo era o maior produtor de café do mundo e contribuía com parcela ponderável das exportações brasileiras. Tinha jornais, escolas, médicos, comerciantes de grosso trato, ricos fazendeiros, era sede de comarca e servida por ferrovia e telégrafo.
O sertão fora conquistado…
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Amparo não tem, pois, uma única origem. O povoamento do município se deu através de sete núcleos populacionais autônomos; cada um deles tem sua própria História, sua razão de existir, independente dos demais. O próprio Prof. Teixeira Lima, em sua obra mais recente, já reconheceu que as populações distintas de um e de outro lado dos Feixos acabaram por se unir.
Dos sete núcleos iniciais apenas um, o Cascalho, não se situava no vale do Camanducaia (e por isso mesmo foi o primeiro a se emancipar, originando o município de Pedreira). Antes disso, porém, em 1829, o Padre Roque de Sousa Freire unificou os sete na “aplicação” (distrito de uma capela) de Nossa Senhora do Amparo.
Não foram sete colinas como em Roma, mas sete populações, sete povos, como se diria no Rio Grande do Sul, que formaram o Amparo…
Essa unificação é a saga do Padre Roque de Sousa Freire. Se há alguém que mereça o título de fundador da cidade é ele, pois foi pelo trabalho dele que Amparo se tornou Capela Curada e depois Freguesia. Correu todo o distrito, confessando, dando extrema unção, batizando, distribuindo comunhão, pregando, orientando e ensinando. Enfrentou o padre visitador para atender um escravo agonizante. Plantou café, foi pioneiro da libertação dos escravos, legou a eles uma fazenda.
Era um homem de origem abastada; teve boa educação, a melhor que se poderia obter na São Paulo da época; seus irmãos foram líderes da Revolução Liberal de 1842; poderia ter tido uma carreira brilhante na política ou na magistrutura, mas preferiu ser cura no nosso modestíssimo “retiro do Camanducaia”. Quando deixou o Amparo, já a cidade estava consolidada e daí a vila, cidade, comarca e diocese, foram apenas passos inevitáveis. A fundação fora bem feita e sobre tais alicerces só poderia surgir um belo edifício, o Amparo de hoje…
Uma das principais ruas de Mogi Mirim, onde ele apenas construiu uma igreja, tem seu nome. Aqui em Amparo, onde construiu uma cidade, seu nome está esquecido…
José Eduardo de Godoy