POVOADORES E DESBRAVADORES DAS TERRAS AMPARENSES
O POVOAMENTO DOS VALES DO ATIBAIA, JAGUARI, CAMANDUCAIA E MOGI GUAÇU E A ORIGEM DO AMPARO
O SERTÃO DE MANDUCAIA
INTRODUÇÃO
1 – O Nascimento do Amparo
As cidades nascem por motivos variados. Os marxistas mais extremados sustentam que há sempre uma causa econômica determinante para a fundação. Isso nem sempre é verdade entre nós; as cidades brasileiras muitas vezes têm origens diversa.
São Paulo foi fundada com o intuito de evangelização dos índios, o Rio de Janeiro para evitar que os franceses voltassem a se instalar lá, Salvador para sediar o governo colonial, Belém do Pará para expulsar franceses, holandeses e ingleses do Norte do Brasil, Rio Grande para servir de sentinela contra as avançadas castelhanas.
Mas outras surgiram em conseqüência de atividades econômicas. Ouro Preto, Sabará, São João del Rei, Mariana, Cuiabá e Vila Boa de Goiás, são o fruto do bandeirismo minerador, que, aliás, é o responsável pelo nascimento da maioria das cidades em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. O bandeirismo preador, que visava apresar índios para escravos, não gerou quase nenhuma cidade; mal e mal pode ser responsabilizado pelo surgimento de Batatais. O ciclo das “monções” deu origem a Porto Feliz apenas. Em compensação, o café gerou centenas de cidades em São Paulo, Paraná, Minas Gerais e no Espírito Santo. A borracha abriu todo o Acre e parte do Amazonas, a cana de açúcar explica quase todo o Nordeste, e a expansão da pecuária justifica a maior parte das cidades do interior da Bahia, do Piauí, do Rio Grande do Sul e de Mato Grosso.
E Amparo? Qual a razão que levou à sua fundação? Nem o ouro, nem o café, nem as monções, nem a pecuária, nem mesmo a expansão da fronteira agrícola, podem explicar o surgimento de um povoado no meio da floresta, numa região montanhosa, repleta de animais bravíos e destituída de qualquer socorro da civilização. Pouso de tropeiros? Talvez… mas não há prova alguma. Terras férteis? Sim, mas montanhosas, distantes dos mercados consumidores e impróprias para a cultura extensiva da cana, a mais rentável da época.
Mais ainda, antes de colonizar a terra, era preciso desbravar a floresta, empreitada arriscada e sem qualquer lucro previsível. E não se tratava de uma floresta qualquer; era a porção montanhosa da mata atlântica, a mais difícil de ser penetrada; as bandeiras haviam evitado esse trecho do “sertão de Manducaia” durante mais de duzentos anos. Por que em meados do século XVIII pequenos grupos se infiltraram na mata, abriram caminhos, construíram casas, lavraram a terra?
Quem eram esses pioneiros? Qual a razão que os levou a isso?
São essas as perguntas a serem respondidas pelos que buscam as origens da Flor da Montanha.
Esta pequena investigação tentará examinar os dados disponíveis e, com sorte, achar algumas respostas…
2 – O DESPERTAR DA CURIOSIDADE.
Na nossa juventude, nos “anos dourados” da década de 1950, tivemos a felicidade de conviver com duas figuras amparenses ímpares, o Dr. Áureo de Almeida Camargo e Mário Prado Pastana. À volta da “mesa amarela”, no Club 8 de Setembro, ambos conversavam sobre temas do passado de Amparo, que conheciam a fundo, diante de um público participante, mas respeitoso e interessado, constituído por outros sócios, no qual eu me incluía, apesar da diferença de idades.
A publicação do “livro do Áureo”, as Efemérides Amparenses, era ansiosamente aguardada. Meu pai, Nelson Alves de Godoy, era um dos que esperavam essa obra, mas infelizmente faleceu antes dela vir a público. Mas, ele, como todos nós, acompanhava pelas colunas de “O Comércio” as crônicas de Dr. Áureo, que serviam como um “trailer” do livro.
Publicadas as Efemérides, o Dr. Áureo faleceu pouco depois; Mário Pastana também já se fora, anos antes; a maioria dos integrantes da “mesa amarela”, todos já idosos, também não durou muito. Fiquei sozinho com minha curiosidade estimulada, mas insatisfeita, sobre o passado amparense, especialmente o período anterior a 1829, sobre o qual quase nada existe nas Efemérides.
Um episódio forense um pouco anterior, no final da década de 1970, a célebre “questão dos Daniéis”, no qual certa família reinvindicou grande parte da área da cidade, levou-me a uma primeira pesquisa histórica nos cartórios. Tive a sorte de encontrar o documento decisivo já no primeiro dia de busca. Percebi então a riqueza de dados históricos que um velho processo judicial pode conter.
Dr. Áureo, porém, havia deixado outro legado para os amparenses. O Museu Bernardino de Campos, sob o dedicado comando da Professora Terezinha Nogueira Frare acumulara preciosa documentação (coletada na maior parte pelo próprio Dr. Áureo) sobre o passado local.
Terezinha Nogueira Frare gentilmente me permitiu copiar alguns dos manuscritos lá arquivados, entre os quais o “Livro do Amparo”, coleção de posturas e atos administrativos celebrados a partir de 1829, o Protocolo das Audiências do Juizado de Paz, iniciado em 1839, e os primeiros livros de atas da Câmara Municipal, que cobriam o período 1857 a 1870.
Tempos depois tive a surpresa de saber que um ilustre cidadão de Serra Negra, o Dr. Jorge Antônio José, também se dedicava ao passado de nossa região e que escrevera um artigo, “Amparo no meu Caminho”, onde abordava exatamente o período que faltava nas Efemérides, ou seja, a época anterior a 1829.
Já no começo da década de 1990 o Padre Pedro Pastana, então vigário da Matriz de Nossa Senhora do Amparo, permitiu que eu fizesse uma cópia de alguns livros que estavam em risco de se tornar ilegíveis, um deles com a contabilidade da “fábrica” (administração financeira da igreja), e outros dois livros-tombo, com o registro dos eventos paroquiais.
A criação da Diocese de Amparo, com a centralização dos arquivos eclesiásticos em nossa cidade, forneceu a oportunidade, graças à gentileza do nosso bispo D. Francisco José, para copiar outros manuscritos antigos, estes já deteriorados, relativos a batizados e casamentos de Mogi Mirim, entre 1752 e 1840.
A generosidade da Professora Ana Maria de Almeida Camargo, filha do Dr. Áureo, colocou ao alcance dos pesquisadores amparenses o precioso arquivo do nosso historiador, permitindo ainda maiores avanços no nosso entendimento do passado amparense.
Mais tarde tivemos oportunidade de ler os trabalhos do Prof. Geraldo Dutra de Moraes, também muito valiosos, sobre a primitiva capela do Amparo, com dados inéditos. Os obras do Prof. Roberto Pastana Teixeira Lima, abordando com ênfase maior a arquitetura e o desenvolvimento urbano, mostraram outros aspectos da vida cotidiana amparense no século XIX.
E finalmente, a Internet, com seus defeitos e suas qualidades, passou a ser indispensável em qualquer pesquisa, pelo menos para indicar novas pistas e para abrir novos horizontes. Por meio dela foi possível visitar o “site” da Câmara Municipal de Bragança Paulista, onde uma pletora de informações nos deu um nova visão sobre os primeiros dias do Amparo.
Ainda falta muito a pesquisar. O futuro exigirá buscas nos cartórios e nas câmaras de Atibaia, Bragança, Mogi-Mirim, Amparo e Serra Negra, no Arquivo do Estado de São Paulo, no Museu da República de Itu, e na Biblioteca Nacional, onde está o Arquivo do Morgado de Mateus. É necessário encontrar o texto das sesmarias de Balduíno Antônio de Campos, de Pedro Antônio Nunes e de Francisco da Silveira Franco, para determinar a época da ocupação de grande parte do município de Amparo.
Falta muito. Ficará para outros interessados, curiosos como nós…